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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) propôs uma multa de R$ 27 milhões ao ex-diretor-executivo de Ferrosos e Carvão da Vale, Gerd Peter Poppinga, por sua responsabilidade na tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho, que ocorreu em janeiro de 2019. O desastre resultou na morte de 272 pessoas, incluindo dois bebês ainda no útero, além de causar danos ambientais graves em várias cidades na Bacia do Rio Paraopeba. O relator do caso, Daniel Maeda, apresentou seu voto durante a audiência realizada nesta terça-feira (1º.out), mas o julgamento foi suspenso após um pedido de vistas do diretor Otto Lobo, adiando a decisão final.
A proposta de multa apresentada por Maeda reflete a apuração da CVM sobre infrações cometidas por Poppinga no cumprimento de seus deveres fiduciários, conforme definido no artigo 153 da Lei Federal 6.404/1976, que exige dos administradores das companhias o cuidado e diligência necessários na gestão dos negócios da empresa. Poppinga era um dos responsáveis pela gestão da mineradora na época da tragédia, que liberou uma avalanche de rejeitos tóxicos, devastando comunidades e ecossistemas.
Na mesma audiência, o relator defendeu a absolvição do ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, o que vai contra as expectativas de famílias de vítimas do desastre. A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) tem feito campanha ativa pela responsabilização do ex-presidente, destacando evidências de que ele sabia dos riscos associados à barragem que se rompeu. A Avabrum chegou a enviar uma carta ao presidente da CVM, João Pedro Barroso do Nascimento, pedindo que as pessoas responsáveis pela tragédia sejam punidas.
Responsabilidades Apuradas
O processo da CVM foi iniciado após investigações conduzidas logo após a tragédia de 2019, quando ficou evidente que a Vale havia recebido auditorias externas que ignoraram recomendações técnicas sobre os níveis de segurança da barragem. Mesmo com fatores de segurança abaixo dos níveis recomendados, a barragem foi classificada como estável em diversas ocasiões. Auditorias realizadas pela consultoria alemã Tüv Süd apontaram que seus representantes foram pressionados pela Vale a declarar a estabilidade da estrutura.
Em outubro de 2018, uma apresentação interna na Vale colocou a barragem de Brumadinho em uma “zona de atenção”, junto a outras nove barragens, indicando que as estruturas necessitavam de manutenção. Segundo a CVM, tanto Poppinga quanto Schvartsman falharam em exercer a devida diligência e não investigaram em profundidade os riscos envolvidos. A acusação sustenta que ambos negligenciaram sinais de alerta críticos e que a alta administração da mineradora recebia informações genéricas sobre as barragens, sem se debruçar sobre cada estrutura de forma adequada.
Defesa dos Executivos
A defesa de Poppinga argumenta que seu papel era apenas gerencial e que ele garantiu os recursos necessários às áreas subordinadas para realizar seu trabalho. Alegam ainda que ele não teve envolvimento direto na escolha das auditorias externas e que confiava nas declarações de estabilidade emitidas. Por sua vez, a defesa de Schvartsman afirmou que ele foi acusado apenas por conta de seu cargo e que não tinha conhecimento direto dos riscos de colapso da barragem, confiando nas informações passadas pelos especialistas.
Embora o relator da CVM tenha votado pela absolvição de Schvartsman, ele ainda enfrenta processos na esfera criminal. Em uma ação penal que envolve 16 pessoas ligadas à tragédia de Brumadinho, ele foi acusado de homicídio doloso qualificado e crimes ambientais, mas conseguiu um habeas corpus que o retirou da lista de réus. O Ministério Público Federal recorreu dessa decisão, argumentando que há evidências suficientes de que Schvartsman tinha conhecimento dos riscos e falhou em agir para evitar a catástrofe.
Implicações e Desdobramentos
A proposta de multa e as investigações continuam sendo um importante marco na busca por justiça para as vítimas e os atingidos pela tragédia. O colapso da barragem em Brumadinho foi um dos maiores desastres industriais do Brasil e gerou grande repercussão nacional e internacional. A Vale enfrentou uma série de processos judiciais e chegou a pagar US$ 55,9 milhões para encerrar uma ação movida nos Estados Unidos, onde acionistas buscaram compensação pelos prejuízos financeiros causados pelo desastre.
Enquanto o processo administrativo na CVM continua, outros envolvidos na tragédia, como os executivos da consultoria Tüv Süd, também são alvos de ações judiciais. A expectativa é que o julgamento seja retomado nas próximas semanas, e a decisão final pode ter consequências significativas para a governança corporativa no Brasil e para o papel das empresas em assegurar a segurança de suas operações.
A tragédia de Brumadinho ainda reverbera fortemente entre as famílias afetadas e a sociedade brasileira, mantendo vivo o debate sobre responsabilidade corporativa e a necessidade de regulamentações mais rígidas para evitar desastres semelhantes no futuro.