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O governo federal, por meio do Ministério da Fazenda, anunciou nesta quinta-feira (10) uma proposta de regulação das grandes plataformas de tecnologia, conhecidas como big techs, visando impedir práticas anticoncorrenciais que afetam tanto consumidores quanto empresas brasileiras. A medida busca alinhar o Brasil às políticas já implementadas por diversos países, incluindo EUA, Alemanha, Inglaterra, Austrália e membros da União Europeia, que têm regulado a atuação dessas plataformas para mitigar abusos de poder econômico.
O Que Está em Jogo?
A proposta se baseia em uma série de reclamações colhidas em consulta pública realizada no início do ano, onde empresas e consumidores destacaram abusos de grandes plataformas como Google, Apple, Amazon e Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp). Tais empresas, que controlam grande parte do tráfego online e do acesso a serviços digitais, são acusadas de limitar a competição ao impor altos custos de acesso ao mercado ou favorecer seus próprios produtos nas plataformas que controlam.
Segundo relatos, práticas como a imposição de taxas elevadas sobre vendas em aplicativos e a priorização de produtos de suas próprias plataformas têm prejudicado empresas concorrentes e elevado os preços para os consumidores. A regulação proposta tem o objetivo de corrigir essas distorções e permitir um ambiente de concorrência mais justo, onde pequenas e médias empresas possam competir de maneira mais equilibrada com as gigantes do setor.
A Regulação Internacional Como Modelo
A proposta brasileira se inspira em legislações similares adotadas por outras grandes economias, que já enfrentam a questão da regulação de big techs há alguns anos. Nos Estados Unidos, União Europeia, e em países como Austrália e Alemanha, leis rigorosas já foram implementadas para regular a atuação dessas plataformas. Na Europa, por exemplo, a Lei de Mercados Digitais, aprovada em 2022, identificou empresas consideradas “gatekeepers” (ou guardiões), ou seja, aquelas que funcionam como porta de entrada para o mercado digital, tendo que seguir regras rígidas para impedir o favorecimento de seus próprios produtos ou serviços em detrimento dos concorrentes.
O Brasil, no entanto, planeja adotar uma abordagem adaptada à sua realidade econômica e digital. A proposta do Ministério da Fazenda prevê um modelo intermediário, onde as regras de conduta serão pré-definidas, mas ajustadas de acordo com as características específicas de cada empresa. A ideia é evitar a burocratização excessiva e permitir um ambiente regulatório que continue incentivando a inovação tecnológica, sem prejudicar o crescimento das grandes empresas.
O Cade Como Órgão Regulador
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) será o responsável por fiscalizar e regular a conduta das big techs no Brasil. Pela proposta, o Cade terá poder para exigir que essas empresas abandonem práticas que limitam a concorrência, como cláusulas de exclusividade e favorecimento de produtos próprios em detrimento de terceiros. O Cade também deverá monitorar e impor sanções a eventuais abusos de poder econômico, garantindo que as plataformas respeitem os limites impostos pela nova regulação.
Um dos aspectos mais criticados na atuação das big techs é o favorecimento que elas dão a seus próprios serviços e produtos nas buscas e rankings exibidos aos consumidores. O Cade deverá atuar para que essa prática seja eliminada ou significativamente reduzida, promovendo um ambiente digital mais competitivo. Outro ponto destacado é a taxa de 30% imposta pela Apple em transações feitas em aplicativos e jogos, o que tem sido alvo de críticas de diversos setores, inclusive de fintechs e empresas de tecnologia.
Exclusão de Temas Controversos
Diferentemente de outros debates legislativos recentes, como o PL das Fake News, que envolvia discussões sobre liberdade de expressão e moderação de conteúdo, o governo federal pretende restringir o escopo da nova regulação às questões concorrenciais. A equipe econômica deixou claro que o objetivo principal é garantir que as grandes plataformas não abusem de sua posição dominante para sufocar a concorrência, evitando debates paralelos que poderiam atrasar a tramitação do projeto.
Critérios para Identificação das Big Techs
Um dos principais pontos da proposta é a definição das empresas que serão sujeitas à regulação. Apenas as grandes plataformas, que atuam como “gatekeepers” do mercado digital, serão alvo das novas regras. Essas empresas serão definidas com base em critérios como faturamento, relevância em múltiplos mercados e número de usuários, de modo semelhante ao que foi feito na Europa.
A expectativa é que plataformas como Google, Meta, Apple, Amazon, Microsoft, ByteDance (controladora do TikTok) e Booking sejam as principais afetadas pela regulação. São empresas que têm dominância clara em diferentes segmentos digitais e exercem grande influência sobre a experiência de consumidores e empresas no ambiente digital.
Preocupação com a Inovação
Embora o foco seja coibir práticas abusivas, a equipe econômica tem destacado que a proposta de regulação visa preservar a capacidade das plataformas de inovar. Eduardo Lopes, presidente da Zetta, que representa fintechs como Nubank, Mercado Pago e PicPay, afirmou que a regulação deve proteger a inovação, mas impedir que empresas com poder dominante abusem de sua posição no mercado. “Somos pró-inovação e novas tecnologias, o problema todo está em práticas abusivas de empresas que abusam de suas posições dominantes”, disse Lopes.
O governo brasileiro reconhece que as big techs desempenham um papel fundamental na economia digital e são responsáveis por avanços tecnológicos importantes. Por isso, a proposta busca encontrar um equilíbrio entre impedir abusos de poder econômico e não engessar a capacidade dessas empresas de continuar inovando e oferecendo serviços valiosos aos consumidores.
Próximos Passos
O Ministério da Fazenda deve encaminhar um projeto de lei ao Congresso Nacional nas próximas semanas, com o objetivo de debater o tema e obter aprovação legislativa. A proposta também será discutida com o setor privado, entidades de defesa do consumidor e especialistas em concorrência, para garantir que a regulação seja eficaz e equilibrada.
Além disso, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda vai apresentar, junto com o projeto, um relatório detalhado com a experiência de outros países na regulação das big techs, além de uma análise das contribuições colhidas durante a consulta pública, realizada entre janeiro e maio de 2024.
O governo espera que a nova regulação contribua para a criação de um ambiente mais competitivo no setor digital, onde pequenas e médias empresas possam competir em condições mais justas e os consumidores tenham acesso a uma maior diversidade de produtos e serviços a preços competitivos.